domingo, 22 de abril de 2012

Barrigas e Magriços de Álvaro Cunhal


A leitura do conto “Barrigas e Magriços”, de Álvaro Cunhal, sobre o 25 de Abril de 1974, foi catastrófica. Sem qualquer noção da realidade, o adolescente a quem solicitei a leitura de algumas linhas ria à gargalhada, ao deparar-se com frases proferidas pelos Barrigas humilhando os Magriços, tais como: “Se não tens pão, come palha” ou “Se não tens azeite para temperar as batatas faz-lhe xixi por cima. ”Inacreditavelmente, chegou ao ponto de ficar sufocado de tanto riso ao ler o seguinte passo: “...meteram-nos presos nuns buracos a que chamavam prisões.” O pior é que não estava sozinho. A fila da frente, da qual ele fazia parte, triunfava hilariante!
Fiquei estarrecida! Frente a frente com a estupidez em carne e osso - disso não havia dúvidas - recusei-me a acreditar que houvesse maldade naquela postura. Recusei-me, acima de tudo, a admitir ser cúmplice do crime horrendo que vai criando raízes no nosso sistema educativo: educar uma geração de incultos, de incapazes, de gente que se dá ao luxo de gozar com bons alunos que estudam, que se respeitam mutuamente, que têm objectivos de vida e se sentem, inevitavelmente, injuriados quando forçados a passar horas a ouvir idiotices que os impedem de estarem atentos na aula. 
Ao serem questionados sobre o autor do conto, Álvaro Cunhal, ficaram impávidos. Devia ser um escritor qualquer, do qual nunca tinham ouvido falar.
Um deles perguntou se o texto falava de gente portuguesa, ao que outro respondeu: “Claro, pá, não vês que são os Magriços”? Perguntei-lhe a razão da resposta e nunca mais vou esquecer o olhar dele fixando o meu, o sobrolho franzido enquanto encolhia os ombros em tom de censura: “Os Magriços são a equipa da selecção portuguesa, ou pensava que não sabíamos?
Apeteceu-me desistir. Ansiei pelo toque da saída, angustiada. Enchi o peito de ar e falei sobre a Revolução de Abril, do Estado Novo, da PIDE, entre outras coisas também por mim vivenciadas. Disseram saber muita coisa sobre o assunto, os professores de História estavam fartos de falar nisso, em anos anteriores. Até que enfim, entendíamo-nos, pensava eu, até ao momento em parafraseei o penúltimo parágrafo do texto: “Ouve lá, se tivesses vivido nessa época, com quem estarias tu? Com os Barrigas ou com os Magriços?” A resposta não se fez esperar, em tom convicto: “Com o Salazar”.

Não se assustem, isto foi há 3 anos, se eu voltar a fazer a experiência neste momento...

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