A leitura do conto “Barrigas e
Magriços”, de Álvaro Cunhal, sobre o 25 de Abril de 1974, foi catastrófica. Sem
qualquer noção da realidade, o adolescente a quem solicitei a leitura de
algumas linhas ria à gargalhada, ao deparar-se com frases proferidas pelos
Barrigas humilhando os Magriços, tais como: “Se não tens pão, come palha” ou
“Se não tens azeite para temperar as batatas faz-lhe xixi por cima. ”Inacreditavelmente,
chegou ao ponto de ficar sufocado de tanto riso ao ler o seguinte passo:
“...meteram-nos presos nuns buracos a que chamavam prisões.” O pior é que não
estava sozinho. A fila da frente, da qual ele fazia parte, triunfava
hilariante!
Fiquei
estarrecida! Frente a frente com a estupidez em carne e osso - disso não havia
dúvidas - recusei-me a acreditar que houvesse maldade naquela postura. Recusei-me,
acima de tudo, a admitir ser cúmplice do crime horrendo que vai criando raízes
no nosso sistema educativo: educar uma geração de
incultos, de incapazes, de gente que se dá ao luxo de gozar com bons alunos que estudam, que se respeitam mutuamente, que têm objectivos de vida e se
sentem, inevitavelmente, injuriados quando forçados a passar horas a ouvir
idiotices que os impedem de estarem atentos na aula.
Ao
serem questionados sobre o autor do conto, Álvaro Cunhal, ficaram impávidos.
Devia ser um escritor qualquer, do qual nunca tinham ouvido falar.
Um
deles perguntou se o texto falava de gente portuguesa, ao que outro respondeu:
“Claro, pá, não vês que são os Magriços”? Perguntei-lhe a razão da resposta e
nunca mais vou esquecer o olhar dele fixando o meu, o sobrolho franzido
enquanto encolhia os ombros em tom de censura: “Os Magriços são a equipa da
selecção portuguesa, ou pensava que não sabíamos?
Apeteceu-me
desistir. Ansiei pelo toque da saída, angustiada. Enchi o peito de ar e falei
sobre a Revolução de Abril, do Estado Novo, da PIDE, entre outras coisas também
por mim vivenciadas. Disseram saber muita coisa sobre o assunto, os professores
de História estavam fartos de falar nisso, em anos anteriores. Até que enfim,
entendíamo-nos, pensava eu, até ao momento em parafraseei o penúltimo parágrafo
do texto: “Ouve lá, se tivesses vivido nessa época, com quem estarias tu? Com
os Barrigas ou com os Magriços?” A resposta não se fez esperar, em tom convicto:
“Com o Salazar”.
Não se assustem, isto foi há 3 anos, se eu voltar a fazer a experiência neste momento...