sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Terça-feira à tarde


Três e meia da tarde. Já não iria sair de casa, o trabalho que me esperava era intenso, por isso resolvi pôr o carro na garagem. Despi o casaco, descalcei-me, tirei um café, acendi um pau de incenso e preparei-me para iniciar uma tarde de luta. O aroma quente da sala era agora acolhedor, propício à reflexão e à concentração.
Não obstante, senti que me faltava algo. Claro, o telemóvel ali mesmo ao meu lado, como é hábito quando a miúda anda em viagem. Ela tinha saído para Tomar havia dez minutos. Do aparelho nem sombras! Marquei o número a partir do fixo. Ouvi o sinal de chamada, do outro lado, mas decididamente não estava em casa. O telefone tocou. “O teu telemóvel não pára de tocar, deixaste-o cá. Se quiseres o pai leva-to ao fim da tarde, quando chegar”. “Que chatice, mãe, já vou aí. Não posso estar incontactável. A Inês pode precisar de alguma coisa. Não me dá jeito nenhum, mas é inevitável…”. “Lá estás tu com os teus disparates…”.
Respirei fundo. Voltei a calçar-me, a vestir o casaco, as luvas, a tirar o carro da garagem.
 A caminho da António José de Almeida constatei ter apenas gasolina para cem quilómetros. Assim sendo, iria atestar o carro. A minha mãe já estava à porta do prédio com o abençoado aparelho, o estacionamento ali é complicado, como em quase todas as áreas desta cidade que teima em crescer para dentro!
As obras no viaduto da ponte açude mantinham o trânsito a passo. Meia hora para chegar às bombas da Galp e eis senão quando vislumbro duas filas intermináveis para pagar. Apenas uma das caixas se encontrava a funcionar…
Já dentro da garagem, de regresso, fechei os olhos e tentei arrumar as ideias. Não faltava nada, desta vez. Subi. Descalcei as botas, as luvas, o casaco e entrei na sala, ao som do Coltrane. O café esfriara. Tirei outro. Abri a carteira para tirar os óculos, procurando em vão! Fiquei aterrada. Houve mesmo um momento que pensei estar a enlouquecer… Voltei a respirar fundo, tentando raciocinar. Percorri mentalmente todo o percurso efetuado e não cheguei a qualquer conclusão. Já com lágrimas nos olhos saí da sala, calcei as botas e vesti o casaco…A caixinha riu-se para mim, no banco do carro…
A cabeça doía-me quando entrei na sala. Tinha anoitecido. Até o Coltrane estava mudo. O telemóvel tocou. Era a Inês a dizer que tinha chegado!
Fixei as folhas rascunhadas à minha frente e pensei que teria feito bem melhor se tivesse esperado pelo telemóvel ao fim da tarde. Do sucedido, nem me atrevo a contar à miúda, sei a resposta de cor "Bem feito, mãe, eu já não tenho 15 anos!"

Isabel Alves Teixeira