Quem
pertence a uma geração que teve o privilégio de assistir ao vivo e a cores, em
pleno coração da adolescência, ao despontar daquela primavera deslumbrante de
tons rubros filhos da madrugada de abril e foi cúmplice da euforia, dos encontros
e reencontros, dos abraços, dos rostos incrédulos ávidos de liberdade, dos
sorrisos rasgados completos de esperança, experimenta, volvidos quarenta anos,
um sentimento de inevitável repulsa pela forma como os sucessivos governos
contribuíram para a mais humilhante degradação deste país.
Durante
todos estes anos, assistimos a uma espécie de jogo de alternância partidária,
cujas políticas apontavam, desde cedo, para a construção de uma sociedade
europeísta de tipo neoliberal. Na década de 80, tornava-se inadiável um compromisso
estreito com a Europa num processo de reestruturação económica e social. Os
anos 90 são marcados por uma série de ações com o principal enfoque na
globalização em nome de uma política de desenvolvimento da economia local e do
bem-estar social. O poder de compra aumenta a olhos vistos, mas o reverso da
medalha não tarda. A segunda década do ano 2000 inicia uma demolidora queda da
qualidade de vida dos portugueses. Não obstante a existência de mais mão-de-obra
qualificada através da imposição da escolaridade obrigatória até aos dezoito
anos, o desemprego dos mais habilitados atinge valores perigosamente altos,
empurrando-os para um quadro de emigração forçada, refugiados de um país
moribundo chefiado pela mais severa incapacidade política e cultural alguma vez
presenciada, mas que, paradoxalmente, tem como oposição político-partidária uma
esquerda não consensual, ridiculamente dividida por valores pseudoculturais e
ortodoxos. O BE desmorona-se a cada segundo, o PCP segue a política do
“orgulhosamente sós”, mais parecendo preferir um governo de direita a um
entendimento com o PS, os outros…esperamos para ver.
Vislumbra-se,
assim, a inevitável continuação da alternância, desta feita com a vitória de um
partido perigosamente ferido no seu interior, porque frágil do ponto de vista
ideológico e sôfrego de protagonismo, como revelam os resultados das eleições
europeias. O PS parece ter, finalmente, acordado do marasmo que o caracterizou
estes últimos anos, onde permaneceu num estado de inércia galopante que atingiu
o seu esplendor com os discursos imaturos e planos de ação social politicamente
inexequíveis do seu secretário-geral.
Costa
avança, apoiado pela maioria dos fundadores do partido. Mário Soares garante
que vai lutar ao lado dele. Seguro resiste. É uma história que vem de longe. Já
na década de 80 Seguro integrava o grupo de oposição a Soares. É a fação rosa
contra a fação vermelha…
Quanto
a mim, Costa tem sobre Seguro todas as vantagens desde a maturidade política
que falta ao adversário à imagem pública. Os dois contam com um longo percurso
no partido, nascidos na JS, mas a rivalidade também faz parte da democracia
partidária e eles são disso um bom exemplo.
Uma
coisa é certa. Ganhe quem ganhar, esta luta é essencial para repor a confiança
no Partido Socialista. É uma guerra inevitável porque imprescindível para
diluir a ideia da profunda crise que paira sobre as próximas legislativas.