domingo, 9 de agosto de 2009

VIVEMOS TODOS AO ACASO

Recordemos este pequeno excerto do primeiro volume de As Farpas - crónicas mensais da autoria de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, verdadeiras preciosidades no que diz respeito à forma crítica e irónica como é retratada a sociedade de finais do século XIX - e procuremos as diferenças entre a situação que, então, o país vivia e a que presenciamos e vivemos neste momento.

Dirigindo-se ao leitor, escreve Eça:


"Aproxima-te um pouco de nós, e vê.
O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo. Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas."