sexta-feira, 27 de abril de 2012

Memórias eternas



(...) Oito e meia da manhã. O carro do meu pai parou em frente ao portão do Liceu e nós saímos: eu, a Isabel Pimenta e a Siby, a nossa saudosa Siby, companheira de tantos anos!
 Corremos para a vendedora de pevides, que se encontrava, invariavelmente, ao lado do portão da Quinta das Lágrimas. Enchemos os bolsos das batas azuis claras e esperámos pelos colegas que iam chegando.
O dia nascera em tons de abril, doirado, ameno. A Olga Soares e a da Ângela Tavares, duas das amigas inseparáveis da nossa turma do 5º ano, acabavam de chegar. A bomba rebentou e nós ficámos incrédulas perante a notícia fresquinha «houve um golpe de estado esta manhã», disseram elas, em primeira mão! Espalhou-se a novidade e, meia hora mais tarde, o Liceu D. Duarte iniciava uma nova era. As batas voaram com a rapidez de um raio, ao som de um grito conjunto que ecoou das profundezas das miúdas que as trajavam contra vontade…
Os professores choravam e contavam-nos histórias que desconhecíamos até ao momento. Recordo-me perfeitamente de ter ficado chocadíssima ao ouvir (creio que da boca da professora de História) que muitas vezes estávamos sob vigilância durante as aulas «eles escutavam à porta da sala e eu sabia…», dizia ela lavada em lágrimas…(...)

domingo, 22 de abril de 2012

Barrigas e Magriços de Álvaro Cunhal


A leitura do conto “Barrigas e Magriços”, de Álvaro Cunhal, sobre o 25 de Abril de 1974, foi catastrófica. Sem qualquer noção da realidade, o adolescente a quem solicitei a leitura de algumas linhas ria à gargalhada, ao deparar-se com frases proferidas pelos Barrigas humilhando os Magriços, tais como: “Se não tens pão, come palha” ou “Se não tens azeite para temperar as batatas faz-lhe xixi por cima. ”Inacreditavelmente, chegou ao ponto de ficar sufocado de tanto riso ao ler o seguinte passo: “...meteram-nos presos nuns buracos a que chamavam prisões.” O pior é que não estava sozinho. A fila da frente, da qual ele fazia parte, triunfava hilariante!
Fiquei estarrecida! Frente a frente com a estupidez em carne e osso - disso não havia dúvidas - recusei-me a acreditar que houvesse maldade naquela postura. Recusei-me, acima de tudo, a admitir ser cúmplice do crime horrendo que vai criando raízes no nosso sistema educativo: educar uma geração de incultos, de incapazes, de gente que se dá ao luxo de gozar com bons alunos que estudam, que se respeitam mutuamente, que têm objectivos de vida e se sentem, inevitavelmente, injuriados quando forçados a passar horas a ouvir idiotices que os impedem de estarem atentos na aula. 
Ao serem questionados sobre o autor do conto, Álvaro Cunhal, ficaram impávidos. Devia ser um escritor qualquer, do qual nunca tinham ouvido falar.
Um deles perguntou se o texto falava de gente portuguesa, ao que outro respondeu: “Claro, pá, não vês que são os Magriços”? Perguntei-lhe a razão da resposta e nunca mais vou esquecer o olhar dele fixando o meu, o sobrolho franzido enquanto encolhia os ombros em tom de censura: “Os Magriços são a equipa da selecção portuguesa, ou pensava que não sabíamos?
Apeteceu-me desistir. Ansiei pelo toque da saída, angustiada. Enchi o peito de ar e falei sobre a Revolução de Abril, do Estado Novo, da PIDE, entre outras coisas também por mim vivenciadas. Disseram saber muita coisa sobre o assunto, os professores de História estavam fartos de falar nisso, em anos anteriores. Até que enfim, entendíamo-nos, pensava eu, até ao momento em parafraseei o penúltimo parágrafo do texto: “Ouve lá, se tivesses vivido nessa época, com quem estarias tu? Com os Barrigas ou com os Magriços?” A resposta não se fez esperar, em tom convicto: “Com o Salazar”.

Não se assustem, isto foi há 3 anos, se eu voltar a fazer a experiência neste momento...

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A serenidade do bom português


Maria de Lurdes Rodrigues e Isabel Alçada são dois exemplos elucidativos da falta de desvelo dos nossos governantes. Para as duas ministras da educação, a Parque Escolar foi uma mais-valia para os portugueses.
Está claro que o programa de modernização das escolas excedeu, em larga escala, a estimativa apresentada em 2007. A este propósito, Maria de Lurdes Rodrigues afirmou que “nem sempre a transparência”, avalizada pela realização de concursos públicos “é convergente com o interesse público.
Questionada sobre os elevados custos deste projeto, Isabel Alçada declarou que "O custo da construção para as 205 escolas foi, em média, 815 euros por metro quadrado e isto compara bem com o custo de outros países; em média, 1.800 euros por metro quadrado em França e 2.500 euros em Inglaterra, em programas idênticos". Tudo isto, para clarificar que se trata de um investimento barato.
O que será barato para esta gente? Terão as senhoras qualquer noção da realidade do país que ajudaram a desgovernar?
Só quem não conhece, por dentro, as manobras acrobáticas que pautaram as políticas educativas levadas a cabo pelo, então, (des)governo PS, pode dar o benefício da dúvida perante estas e outras afirmações, mas quem está por dentro do assunto desespera perante tanta leviandade.
É claro que a necessidade de reabilitação de algumas escolas era premente. Contudo, escolas há que passaram à margem da bendita reabilitação e em cujas salas de aula a água continua a cair pelas paredes e tecto, não existe qualquer tipo de aquecimento e os alunos se veem obrigados a escrever com luvas. Esta é a realidade de uma escola dos 2º e 3º ciclos e ensino secundário. Outras haverá na mesma situação.
Não obstante, os luxos proliferam ostensivamente nas obras em curso. Dizem as más-línguas que o sistema energético de climatização faz subir de forma exponencial a fatura da eletricidade. Não há dinheiro que sustente tamanho disparate!
E nós pasmamos, impávidos na nossa serenidade de bonecos articulados!
Uma coisa é certa: um país cujos ministros apresentam tão elevado grau de iliteracia económica e financeira e um grau tão baixo de responsabilidade política não é um país, é um caos. 

O Eça ainda por aí


“Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o estadista. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?”

                      Eça de Queiroz, 1867 in "O distrito de Évora"

quarta-feira, 11 de abril de 2012

A rosa

A rosa fez História. Chegou, viu e venceu.
A rosa passou a ter maior expressão do que o punho fechado e o Partido Socialista passou a ser vulgarmente designado como o “partido da rosa”.
Sopravam ventos de mudança e o objetivo era a renovação aliada a uma imensa necessidade de atenuar a forte conotação de esquerda que o punho imprimia ao partido.
Estavam lançados os dados e os jogadores tomavam os seus lugares, um após outro, conscientemente…
Há anos que se adivinhava o inevitável. O circo anunciava a nova era do Partido Socialista. Os acrobatas recém-chegados subiam ao palco e executavam, com perfeição, novas formas de equilibrismo. O povo aplaudia, com fervor, as façanhas dos petizes, jovens ávidos de sucesso fácil e costas bem aconchegadas.
Formaram-se jovens em várias áreas do saber político, autênticas licenciaturas em “Salto em trampolim” e cultivou-se, de forma irrepreensível, a arte do bem saber viver. Os socialistas rosa puderam saborear uma das maiores vitórias de sempre…o resto, nós conhecemos, nós experienciámos, nós sentimos na pele.
Quase duas décadas depois, aqui estamos, pobres portugueses, partidariamente desamparados, politicamente enganados, económica e socialmente demolidos. Como tão bem diz Pessoa, falta cumprir-se Portugal.